"A história de um Menino Bão" foi um projeto musical construído ao longo de 2011 pelas crianças do 3º D. Nele as crianças narram através de sons e de pequenas canções a história do companheiro de sala Nelito ("O Menino Bão").
Esclarecimentos - Alguns passos atrás
Nelito é um menino de 12 anos que tem deficiência visual, intelectual e motora e que chegou na Escola Diva Gomes no ano de 2010 para integrar uma sala regular de 2º Ano. A princípio a turma vinha realizando um trabalho de pesquisa em Artes Visuais, mas quando o Nelito chegou percebi que não poderia participar dessas aulas dentro da estrutura que a escola oferecia. Mudamos então de foco, partindo do que o Nelito tinha de potencialidade: a escuta e a fala. Passamos a estudar música, mais especificamente o universo sonoro que nos rodeava. Trabalhamos com jogos musicais, sonorização de histórias, canções... Porém, Nelito ficava alheio ao que acontecia com ínfimos momentos de participação. Foi quando surgiu a idéia de criar uma canção que envolvesse o nome do Nelito, de maneira a atrair sua atenção e que ao mesmo tempo todos pudessem participar em uma espécie de jogo de rimas:
Abaixo o áudio dessa canção:
A canção funcionou em partes. Nelito teve mais atenção, ficou mais envolvido, riu da rimas, fez comentários, mas não conseguiu participar no momento em que deveria cantar. Resolvi então, gravar a música em um CD de forma que ele pudesse ouvir em casa, estimulando sua memória auditiva.
Quando iniciou o ano de 2011 experimentei realizar a experiência com a canção pra sentir como iria acontecer e para a minha surpresa houve um grande avanço por parte do Nelito que conseguia cantar examente no momento em que precisava o : dessa vez não fui eu...
Decidi, tendo em vista o seu desenvolvimento, propor as crianças que fizéssemos mais músicas que ajudassem o Nelito a participar da aula. A partir dessa conversa nasceu o projeto que mais tarde foi chamado de "A História de um Menino Bão"Fotografias, entrevista com a Lia e o Nelito...
A primeira ação do projeto foi pedir à Lia (mãe do Nelito) que registrasse através de fotografias um pouco do dia-a-dia do Nelito, o que fazia em casa nas horas vagas, na outra escola em que estuda o CEMEI (escola municipal especializada), na Equoterapia e etc. Ela trouxe as fotos para a escola e falou sobre cada uma delas para a turminha junto com o Nelito que intervinha em seus comentários. A turma fez uma série de perguntas que ela ía respondendo com um cuidado esclarecedor.
Uma lista de sons...Depois dessa entrevista, separamos as fotos em pequenas pranchas por temas, como por exemplo: Manhã do Nelito, Ônibus especial, etc. Dividimos a sala em pequenos grupos e cada grupo recebeu uma prancha com fotos relacionadas a um tema. A partir da observação dessas pranchas, das perguntas para o Nelito e para a Lia, cada grupo deveria escrever uma lista dos sons presentes nessas imagens. Nelito ficou no grupo da "Manhã do Nelito".
áudio com um pequeno fragmento da participação do Nelitona construção das listas
(Como Nelito não pode escrever, optamos por registrar suas falas através de gravações)
Alunos escrevendo a lista
Organização dos sons para uma história sonora...
Quando as listas estavam prontas, fomos para a segunda etapa que era a organização temporal dos sons, estabelecendo uma sequencia lógica dos acontecimentos sonoros presentes nas imagens, para que a partir daí começassemos a criar as histórias sonoras, ou seja, tentar representar o que é visual através dos sons.
Para construir as histórias sonoras trabalhei com dois artistas de apoio a compreensão do que estávamos fazendo: Sergei Prokofiev com a peça Pedro e o Lobo e Gilberto Mendes com Santos football music. Ambas as peças lidam com a idéia de criar histórias, paisagens sonoras e narrativas através dos sons. A audição dessas obras possibilitou o despertar da imaginação das crianças para as suas criações.
Construindo instrumentos musicais...
A terceira etapa, foi uma grande oficina de confecção de instrumentos musicais com materiais reciclavéis. Levei uma sacola imensa com muita coisa que havia guardado pra essa ocasião. Dividimos a sala em dois grandes grupos, a colaboração e parceria da profª Beatriz foi essencial para o desenvolvimento de todo esse projeto.
A quarta etapa, foi a criação ou organização dos sons em uma pequena partitura com uma notação musical não convencional. Surgiu como uma necessidade para que cada grupo pudesse determinar o que faria em cada momento, como falaria, tocaria e que instrumentos usaria.
Antes de realizar esta partitura fizemos uma aula de sons e desenhos, onde as crianças tentavam representar o que ouviam através de linhas, formas, símbolos.
Exemplos do exercício de escrita musical não convencional
Construíndo canções...
Além da organização das histórias sonoras, paralelamente, fomos criando canções para cada tema das pranchas, foram eles: A Manhã do Nelito, Busão do Nelito, Cavalo Apolo(equoterapia), Um cara curioso (Nelito em Casa) e Lá na CEMEI.
Para a construção das canções o processo foi o seguinte: recolhia, ou pescava idéias cotidianas das nossas conversas (com as crianças, com o Nelito e com a Lia) nas listas de sons, nas imagens e sobre o dia-a-dia do Nelito. Registrava tudo isso em pequenas frases que chamei de "cotidiagrafemas" (cotidiano + grafemas = Grafia do cotidiano). Organizava essas idéias de forma a criar uma narrativa, estabelecia uma melodia e apresentava para as crianças que íam fazendo pequenas intervenções, nas letras e nas melodias.
Como apoio para esse trabalho das canções ouvimos dois artistas como referências Helio Ziskind e a sua história O Gigante da Floresta e Tião Carreiro e Pardinho com o Boi Soberano. Uma questão que permeou fortemente todo esse trabalho foi a idéia de que a "música conta histórias", e ela pode fazer isso através do cantar um texto narrativo (canção) ou através apenas dos sons, como é o caso de algumas músicas instrumentais em que os compositores criam narrativas sonoras (Pedro e Lobo é um exemplo).
Gravando...
Com as canções e as histórias sonoras prontas fomos para quinta etapa: as gravações. As gravações foram realizadas na sala de informática, o lugar mais silencioso da escola, com um pequeno gravador portátil que a escola possui. No caso das canções optei por fazer uma gravação de vozes e violão, pois não tinhamos aparatos técnicos para gravarmos outros instrumentos de acompanhamento.
Nelito e as intervenções musicais...
No momento em que fazíamos a gravação do grupo "A Manhã do Nelito" (primeira foto acima) Nelito me surpreendeu com pequenas intervenções autônomas enquanto cantávamos, dando um ótimo sinal de interação na atividade. Enquanto cantávamos Mais um dia nasceu, e o Nelito acordou junto com o sol que apareceu... Nelito dizia: Eu acordei, eu acordei! Em outro momento, em um ensaio na sala de aula, cantávamos a canção Cavalo Apolo, no trecho: E lá vai Nelito..., ele respondia um: Lá vou eu! Lia, sua mãe, disse que foi uma das primeiras vezes em que Nelito se referia a ele em primeira pessoa e que ela ficou muito contente e surpreendida com isso. nós também.
Em uma outra intervenção escrevíamos o arranjo pra canção "A manhã do Nelito" quando, em um determinado momento, ele pergunta pra amiga Isabela: Como é som da sua manhã? (meus ouvidos atentos, meus olhos em lágrimas)... ela respondeu: - têm passarinho, carros etc.. Comentei com todas as crianças que o Nelito havia perguntado sobre os sons da manhã da Isabela e decidimos então, todos falarmos um pouquinho sobre a manhã de cada um, o resultado disso foi uma nova canção/brincadeira. Ouvimos Grieg e Leo Brouwer. Falamos sobre a diferença entre os sons da tarde e os sons da manhã...
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fragmento da canção/brincadeira qual é o som da sua manhã? realizada na sala de aula em uma versão com os instrumentos que construímos.

Essa atividade foi realizada com as crianças vendadas e foi a primeira vez dentro desse projeto que fizemos isso. A venda trouxe uma outra perspectiva e percepção do escutar para mim e para as crianças dentro das atividades que desenvolvemos, além é claro de possibilitar vivenciar um pouco da experiência do Nelito. As crianças em diversos momentos se refereriam a isso dizendo se sentirem como o Nelito, como se elas fossem o Nelito por estarem com as vendas. Foi um exercício de estar no lugar do outro, sentir suas facilidades, dificuldades, vontades, angústias...
A partir daí realizamos uma série de atividades com as vendas: histórias sonoras, ouvir música, tocar , conversar, andar pela escola etc... o que enriqueceu ainda mais nossa percepção dos sentidos, tentamos (...) ver com os ouvidos de ouvir, ver com o cérebro, com o estômago e com a alma... - Wim Wenders in Janela da Alma.
Essa atividade foi realizada com as crianças vendadas e foi a primeira vez dentro desse projeto que fizemos isso. A venda trouxe uma outra perspectiva e percepção do escutar para mim e para as crianças dentro das atividades que desenvolvemos, além é claro de possibilitar vivenciar um pouco da experiência do Nelito. As crianças em diversos momentos se refereriam a isso dizendo se sentirem como o Nelito, como se elas fossem o Nelito por estarem com as vendas. Foi um exercício de estar no lugar do outro, sentir suas facilidades, dificuldades, vontades, angústias...
A partir daí realizamos uma série de atividades com as vendas: histórias sonoras, ouvir música, tocar , conversar, andar pela escola etc... o que enriqueceu ainda mais nossa percepção dos sentidos, tentamos (...) ver com os ouvidos de ouvir, ver com o cérebro, com o estômago e com a alma... - Wim Wenders in Janela da Alma.
Da esq. p. dir. Vinicius, Júlia, Cauã S. e Edinaldo
Ensaio e apresentações...
Ensaio e apresentações...
Depois das gravações começamos a fazer ensaios para realizar apresentações para os amigos das outras salas. A idéia era apresentar para todas as salas, sendo duas salas por semana. Os ensaios eram realizados de duas formas: 1º com o grupo todo para cantar todas as canções e 2º com cada grupo separado para que tocassem os instrumentos. Realizamos as apresentações como pretendíamos, a nossa platéia assistia a apresentação vendada (poucos conseguiam ficar com ela até o fim) e após a cada apresentação, conversávamos um pouco sobre como foi a experiência de ouvir a música assim. Ao final, coletava depoimentos com algumas crianças com o intuíto de criar um pequeno documentário.
Fragmentos dos depoimentos de Kayane e Júlia do 2º B
alunas que assistiram uma de nossas apresentações
Exemplo de um "cotidiagrafema". Nota da fala da aluna Quézia do 4º D, feita durante uma apresentação.

Alguns esclarecimentos aos pais a respeito do projeto






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áudio com comentários da Lia (mãe do nelito)
alunas que assistiram uma de nossas apresentações

Apresentação para os pais no dia da Reunião...








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áudio com comentários da Lia (mãe do nelito)
O Cd e a Entrega para a Lia...
As imagens (ilustrações) presentes no encarte do CD foram desenhadas pelas crianças em alguns dias em que o Nelito não estava na escola. Aproveitamos pra fazer surpresa pra Lia. Todas as crianças ganharam um Cd do prjeto pra ouvir me Casa.









Avaliação...
Instrumentos: cotidiagrafemas, roda de conversa, registro através da escrita, gravações.
Algumas Palavras...
As imagens (ilustrações) presentes no encarte do CD foram desenhadas pelas crianças em alguns dias em que o Nelito não estava na escola. Aproveitamos pra fazer surpresa pra Lia. Todas as crianças ganharam um Cd do prjeto pra ouvir me Casa.
Avaliação...
Instrumentos: cotidiagrafemas, roda de conversa, registro através da escrita, gravações.
A avaliação esteve a todo momento presente durante o processo do projeto. Quer dizer, era fundamental estar atento aos mínimos detalhes do que estava acontecendo, registrando diariamente as percepções que tinha das percepções do alunos, no sentido de entender o quanto este trabalho estava sendo significativo para o Nelito, para a Turma e para Mim.
Avaliou-se desde uma pequena discussão sobre o arranjo de uma música que estávamos fazendo, a maneira de se escrever um som, de se portar diante da escuta, das palavras ditas em um bate-papo informal, até questões atitudinais referentes a participação de cada um nesse projeto coletivo. Estivemos a todo tempo revendo nossos percursos de aprendizagens através das rodas de conversa, escuta e exibição de imagens, avaliando o que era necessário melhorar, fazendo indagações, sugestões, propostas. Nesse sentido, foi um projeto rico de construção coletiva do conhecimento através dessa produção cultural.
Avaliou-se desde uma pequena discussão sobre o arranjo de uma música que estávamos fazendo, a maneira de se escrever um som, de se portar diante da escuta, das palavras ditas em um bate-papo informal, até questões atitudinais referentes a participação de cada um nesse projeto coletivo. Estivemos a todo tempo revendo nossos percursos de aprendizagens através das rodas de conversa, escuta e exibição de imagens, avaliando o que era necessário melhorar, fazendo indagações, sugestões, propostas. Nesse sentido, foi um projeto rico de construção coletiva do conhecimento através dessa produção cultural.
Algumas Palavras...
Em um determinado momento, pedi que eles escrevessem sobre o que haviam aprendido com o projeto livremente, sem intervenções. Compartilhamos com todos os relatos.
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